Entrevista com Enya - And Winter Came

A história da Enya tem todas as partes de uma antiga lenda irlandesa,
envolvendo heróis e vilões, magia, e no coração um mistério: como é
que essa publicamente tímida cantora vende milhões de discos se
quase não sai de seu castelo
?

Ao deixar o aeroporto de Dublin para encontrar Enya, me sinto marcado
por uma mensagem no meu celular; minha mãe me falando que me
matará se eu for rude com a cantora. É o tipo de devoção fiel de
fãs que tem ajudado a Enya a vender mais de 70 milhões de cópias
ao redor do mundo, fazendo dela a segunda, atrás somente do U2,
como a artista na Irlanda que mais vendeu até hoje. Ao contrário da
banda, contudo, ou outras bandas, as vendas Enya têm aumentado
- e não diminuído - com o passar de cada ano e cada album.

Isso porque Enya representa

um som, sem limite. São sete albums
desde Watermark em 1989, e mesmo assim o número de fãs está
aumentando cada vez mais, crescendo como confecções glaciais
que cientistas lutam para explicar. Há pessoas que genuinamente acreditam que as músicas dela os ajudam na cura do câncer (como um fã declarou, "a escolha musical de quimio" dos doentes), ou a parar de fumar, ou a aliviar o tédio do intenso tráfego. Após o 11 de setembro, as vendas dela subiram velozmente, com a divulgação abrangente pelas rádios e o uso pela CNN.






A indústria musical inventou até mesmo um termo para o espantoso aumento em vendas: Enyanomia. É definido como o inexplicável crescimento de vendas de uma artista que possui uma relação
inversa ao quanto de publicidade investem. De fato, quanto menos publicidade, melhor. No caso da Enya, ela só aparece em público de vez em quando, e mesmo assim a fortuna dela é estimada entre
60 e 100 milhões de libras.

Apesar de - ou talvez por causa de - seu contínuo sucesso, alguns críticos continuam a depreciar o trabalho dela soltando comentários desagradáveis.

Mas quem se importa com o que os críticos pensam? Certamente, a Enya não. "
Certa vez li uma resenha mal-criticada. Só li e ignorei. Isso é o que significou pra mim", ela disse. Enya é à prova de críticas, como
foram o grupo ABBA, Cliff Richard ou U2, a diferença sendo que em 20 anos, Enya jamais tocou uma nota sequer ao vivo. É isso que chamode Enyanomia.

Ela mora em um castelo em Killiney, sul de Dublin, o comprou por cerca de 2.5 milhões de libras em 1997 e o nomeou Manderley, em homenagem à Rebecca, título de seu livro favorito escrito por Daphnedu Maurier.

Estamos sentados em uma sala de madeira com sinos de empregados ao redor das paredes. O único som que se ouve é o de nossas xícaras e o murmúrio de pessoas em portas próximas sobre partidas de golfe.

Enya tem 50 anos,e é invariavelmente descrita como um pássaro, mas a verdade é que ela é normal, com uma pequena e invisível bolha protetora dizendo para não persuadi-la demais. "Quando me fazem uma pergunta, vou deforma tranquila", ela diz, ao ser questionada por quê ela não se expõe com frequência. "Isso incomoda muita gente".
 

De fato, conforme tento descobrir o que a inspira nas músicas. "Gosto de me sentar com a tela em branco. Não sou daquelas pessoas que repentinamente se inspiram ao olhar uma paisagem, uma história ou um momento emotivo...Gosto de apreciar diversas idéias e coloca-las em uma canção, e observar a jornada do que se tornará."

OK. Não estou certo o que isso significa.

"
Faço sons."

Me dê um exemplo.

"
Como ah...é difícil fazer isso agora."

Continue.
"Leiii... dad a... daiii a daiiiii a daaaa", a voz da Enya cresce em força e então continua em uma linda melodia, desaparecendo aos poucos,como em um CD. É misterioso o quão boa ela é nisso.

"
Quando canto pela primeira vez, tento fazer soar como uma canção,mas sem as palavras". As palavras vem mais tarde, conforme veremos.De qualquer forma, inegavelmente incrível...igual aos seus albums.

Deve ser estranho ser a Enya. Quase tão grande quanto o U2, mas as pessoas não sabem quem são. "
Pois é", ela ri. "Eu me consideraria mais bem-sucedida que outros famosos. Afinal, as pessoas acabam
andando perto de mim nas ruas e têm que me olhar duas vezes pra pensar se já me viram antes, tipo, "um momento, acho que tenho um CD em casa com ela na capa!".

Enya tem uma teoria: "Watermark vendeu no mundo antes que qualquer um soubesse quem eu era, então tive uma carreira que não se tornou dependente em minha aparência." Mesmo assim, desde o início, a
gravadora me queria mais rock
'n'roll" ela diz com indiferença. "Disse a eles que a música dizia por si própria. Eu provavelmente poderia ter sido uma pessoa mais famosa, mas daí pensei, será que isso
beneficiaria a música
? E a gravadora ficou sem resposta. Quero dizer, vocês supostamente têm que vender minha música, certo? Pois então, como é que mudar a minha imagem vai ajudar nessa tarefa? Também
não souberam responder essa".

Você fica com a impressão de que Enya é formidável em uma daquelas gigantes salas de reunião da gravadora em uma mesa de vidro, negando fotos expositivas e remixes de Calvin Harris. "
Inevitavelmente as pessoas acabam formando uma imagem sua, por isso passei a controlar o quanto fosse possível, do que deixar que a publicidade fizesse o que queria. Essa é a pessoa que tenho sido - tomo uma decisão e a sigo".



Uma de nove filhos, criada em meio a uma grande família, Lutou para ser notada. Aos 11 anos foi colocada em um internato dirigido por freiras,o que parece ter influenciado a pessoa que ela é hoje.

"O internato me deu independ
ência. Não tive minha mãe ou irmãs para me dar respostas". Somente Deus. Isso Fez com que ela se acostumasse a estar fora da família. Na escola, o talento pianístico da Enya foi notado e guiado sistematicamente. Até mesmo em feriados, suas lembranças de infância envolvem trabalho incansável e disciplina musical, separando ela de sua família.

"Tive tarefas e também viagens em uma cidade vizinha para ter lições de piano, e daí mais tarefas. Me lembro muito bem dos meus irmãos e irmãs brincando no lado de fora sob o sol, enquanto eu estava dentro
tocando piano. Um enorme livro de escalas, praticando e praticando".

É a rotina que ela impõe no trabalho atualmente, e a hipnótica repetição de sua música, parece vir dos constantes estudos de escalas, por horas ascendendo e descendendo até o pôr do sol. 
Por que sabemos tão pouco sobre ela? "Sou muito reservada, pois os tablóides tentam escrever alguma coisa...Quero dizer, não sou do tipo que faz uma história sensacionalista, mas não vejo razão para sair por
aí afora em clubes noturnos só porque você teve um ou outro sucesso.Por que?
 Houve ocasiões em que invadiram minha privacidade e me assustei me pergutando Caramba! Como poderiam saber disso? Fui
queimada uma vez aqui e ali, daí você aprende com o tempo, a ter mais cuidado".

Ouvi dizer que na época em que gravou seu primeiro sucesso, Orinoco Flow, em Londres, ela foi ao bar e encheu a cara. Enya se endireita na cadeira. "Mentira. Eu participo de festa, mas certamente não no
momento em que estou trabalhando".

É uma história difícil de ser considerada a respeito da Enya que vemos nas capas dos CDs. Porém, Enya tem sido cuidadosa, não permitindo que vazamentos prejudiquem a pureza do trabalho, reduzindo seu
círculo de amigos que podem ser contados em uma mão.

"Confio nas pessoas ao meu redor. É bom ter gente que você tem a certeza de que não te fotografarão ou correrão aos tablóides só para aumentar o que dizem".

No círculo sagrado do Mundo Enya, as duas pessoas mais confiadas acima de todos são Nicky e Roma Ryan, seus amigos mais íntimos. Nicky e Roma não são meros amigos, são seu produtor e sua letrista
que ajudaram a florescer seu talento. Fizeram dela uma estrela; e continuaram a controlar cada detalhe de cada gravação, ao que se pode ver o modo como ela parece nas fotos - séria e modesta. Há o
rumor que a fortuna deles excede a da Enya, fazendo com que esse cara alto e  bigodudo e sua esposa, mais ricos que seu vizinho, Bono. É impossível estimar a importância de Nicky e Roma no projeto. Ela
é aberta sobre o papel deles, sempre destacando que Enya não é uma, mas três pessoas.

Nicky fala misticamente sobre o "
número mágico, três" e a energia sagrada que eles conservam sobre os respectivos pontos psico-geográfico da trindade de onde vieram: Belfast, Dublin e Donegal.
Peço à Enya para resumí-los em uma palavra e os olhos dela brilham: "
Vida".

Estou ansioso para encontrá-los porque na lenda da indústria musical, Nicky e Roma tem uma marca significante - como mestres controladores da carreira Enya, como cordas de uma marionette. Com mente no século XXI disfarçados com mentes dos anos 70.

Nicky aparece primeiro: com aparência na casa dos 60, vestindo um terno. "
As pessoas pensam que aceitamos tudo", ele ri. "A CBS nos enviou uma vez um correspondente de guerra para nos entrevistar! Nos
acusou de colocar um tambor tradicional no estúdio para disfarçar como uma bomba ou algo parecido!". Roma o segue, se movendo meio agitada em torno da Enya, perguntando a todos se gostaríamos de mais chá. Ambos de fato combinam como casal, e imediatamente se percebe
como são parecidos".
Como foi que conheceram a Enya? Ela era parte de seu plano de mestre? Nicky suspira. "Em um certo sentido, era um plano infalível. Nós antes havíamos feito parte da produção da banda Clannad. Mas após sete anos, a questão foi que não nos quiseram mais". (Clannad - melhor conhecido pela música tema em duas séries de TV dos anos 80, Harry's Game e Robin of Sherwood - foram a banda que os pais musicais da
Enya formaram, antes dela terminar a escola, e incluíram os irmãos e irmãs, e mais a Enya nos teclados).

Nicky queria trazer o folclore irlandês no conceito dos anos 80, usando um teclado Prophet-5 e criando um grande e inovador som, em conjunto com um grande cabelo. Essa foi a marca Irlandesa do Riverdance, os
anúncios da cerveja Guiness e outros celtas: gelo seco, estádios enormes e toque dos sons místicos. Porém Clannad, diz, não tinha nada disso. Eles acreditavam que tradicional tinha que ser
tradicional. "E mais, havia muita bebida e aspectos não profissionais que eu desaprovava. Estava entediante, fazendo a mesma turnê e tocando as mesmas músicas, e havia uma certa inveja em torno da Enya, porque ela era neutra no teclado".

Nicky e Roma tiveram uma idéia para formarem um grupo com a Enya, mas a família pressionou. "
Eles chamaram ela numa sala e disseram ou eles ou a família". Enya se manifestou. "Vou com eles".



A partida foi drástica. "Não acredite em uma palavra sobre quão amigável é a música tradicional. Perdemos vários amigos". Enya procura ser discreta. "Veja bem, você não pode impôr a vida de uma pessoa na
de outra", ela diz. "Sou segura quanto se trata de tomar decisões. Não perco tempo. Não olho pra trás pra ver se me arrependo".

Apesar disso, eles não se falaram por muito tempo, e somente de poucos anos pra cá, é que ela passou a ver seus sobrinhos e sobrinhas. Por uma questão de destino, Nicky disse que Clannad estava gravando no estúdio do Peter Gabriel, quando veio a notícia que Enya havia alcançado a primeira posição. Gabriel trouxe uma garrafa de champanhe e questionou "
Vocês não vão comemorar o sucesso da sua irmã?".

Enya tinha 26 anos, e passou por uma dura fase antes de sentir o gosto do sucesso. Nicky, também, teve que encarar o lado negro da indústria musical, participando de produções de bandas com nomes tais como
Elma Fudd e Thin Lizzy, através de turnês em meio a cervejas sem recompensas no final. "Sou do norte de Dublin, considerando o lado desconhecido, mais pobre. Imagine. Eu não era musical, era apenas a favor dos sons, explorando um velho piano vertical".

Nicky tinha em mente a idéia do que o som de Enya seria. "
Podia ouvir em minha mente, mas ainda não sabia como tornar realidade". A idéia era um tipo de ar Celta mesclado com Stig Anderson (que transformou o
grupo ABBA com sons eletrônicos, coincidentemente, explorando um antigo piano). Nicky descreve sua versão como "coral de uma pessoa".Camada após camada da voz Enya, criando um fluxo relaxante e
reflexivo de banho numa banheira.

Quando Enya deixou Clannad, Nicky e Roma se tornaram seus pais. Ela se mudou para a casa deles, construindo um estúdio em um local precário e mal iluminado.

Enya rejeitou a família por não tê-la visto como ela era, e perdida entre nove crianças, pela família que a tornou uma estrela global. Ela mostra desaprovação sobre essa análise. "
Morei com Nicky e Roma", diz,
pausando em um angustiante silêncio, "por razões financeiras".

Muitas coisas foram inconstantes por um longo tempo. Enya dava aulas de piano, e o dinheiro chegava perto do fim, enquanto esperavam que compusesse alguma coisa. Eventualmente, eles foram contratados para
compôr para as séries da BBC, The Celts, e após, o filme, The Frog Prince. Roma adiciona letras às melodias da Enya, algumas delas escritas em uma língua alienígena "de um planeta muito distante" que
Roma inventou chamado Loxian, uma mescla que Gaélico Marciano e Hobbit. Nem Roma, e nem Enya, não possuem a fluência - mesmo tendo criado o idioma. Observei isso ao testar algumas frases, tais
como "
Mal korrheeay onakoul ve pirrro" (Está chovendo na Irlanda?) e "Hanee unnin Eeskan" (Gostaria de uma xícara de chá?), não tinham idéia do que eu estava falando.

Rob Dickins, que era o chefe da Warner Music, contratou todos os três como Enya na BMG em 1989 (bizarramente, o nome dele foi incluído nas letras de Orinoco Flow). Mas quão longe Enya realmente teve que passar desde da garota que praticava escalas repetidamente na sala de desenho de Donegal
? Ficar isolada é o acontece até a era atual. E o trabalho, o mesmo. Ela fala interminavelmente sobre trabalho duro,

Por sorte, a restrita infância da Enya, se tornou uma vida multi-milionária. Ela mora sozinha em um enorme castelo, e o público não sabe nada sobre ela, fazendo comparações com outra reclusa, Kate Bush.

Semelhante à Bush, quanto menos Enya der motivos ao público, mais ela desanima a atenção dos paparazzis, que usam a sua vida inventando mentiras. "Quando você pensa em Kate Bush, você pensa na música, e
não nas manchetes", diz Enya. "Eu já tive que encarar importunistas no começo com o album Watermark". Uma experiência traumática.

"
É estranho começar assim, mas tive a certeza de que era necessário não dar tanta importância, ou senão iria me tornar paranóica; uma pessoa pode se fechar por causa disso. Toda minha energia se voltaria para algo
negativo, e aí eles ganhariam".

Os importunistas são sem dúvida, perturbadores. Em 1997, um homem italiano, andava por Dublin com uma foto da Enya em seu pescoço, antes de se esfaquear ao lado do bar de seus pais. Em 2005, um homem tentou invadir seu castelo, fazendo com que Enya corresse depressa pra se trancar em um lugar seguro. Ele ainda conseguiu amarrar a empregada antes de ser preso. Uma semana mais tarde, outra pessoa tentou invadir a propriedade, mas falhou ao tentar entrar.

"
Qualquer um na rua pode ser perseguido. Não é porque sou famosa, mas sim por eu ser mais reservada do que outras celebridades", fala Enya. Após as tentativas de invasão, Enya reforçou ainda mais seus sistemas de segurança. "Agora, quando começo a receber certas cartas, tenho que ir à polícia e dizer que tal pessoa causará problemas".

Tais situações fazem com que ela se isole. Sem um constante laço com sua família, ela nunca pensou em formar a sua própria
?. "As pessoas podem se perguntar se eu não quero parar tudo e ter uma família, então
digo que se for pra acontecer, acontecerá. Não há motivo para deixar com que alguém me faça sentir na obrigação quanto a isso. O importante é você estar de acordo com você mesmo".

Enya confia imensamente em Nicky e Roma, que são sua família, que não mais possuem um estúdio precário, mas encontram Enya em um ponto equidistante de seus dois castelos. Eles trabalham todo dia, com exceção da sexta e se recusam a deixar a gravadora para saber quando um album estará pronto. "No estúdio não entra a opinião de ninguém, de mais ninguém".

Apesar disso, tive a chance de escutar o novo album com antecedência ao lado de 50 ou mais executivos da Warner. Todos nós asseguramos nossos telefones, no caso de secretamente gravarmos. É um album natalino, com os tradicionais sinos.

Um novo album da Enya representa ótimas notícias dentre uma indústria de artistas como Radiohead e Paul McCartney. Mas ela não pretende setornar uma rede de vendas.

Eles são uma ótima e surpreendente companhia, essas três pessoas que provavelmente poderiam comprar alguns estados africanos e a Dinamarca,mas ao invés disso, ficam em seus lugares. Boa sorte com o album,
Enya. Não que você precise.

4 comentários:

Citaram muito ABBA aí, quase morri do coração lendo! Entrevista mais que perfeita! *-*

Amei a entrevista com a Enya *_*

Muito boa a entrevista. Tenho um pouco mais de 50 anos e sou um fã incondicional da Enya. Ouço músicas dela quase todos os dias, é ótimo para relaxar. Eu gostaria muito de saber se tem como fazer chegar até ela uma mensagem aqui do Brasil. Um abraço.

Enya é uma pessoa única neste mundo... sua música é única, seu trabalho, sua inspiração, ela é todo um estilo musical, completa e auto-suficiente.

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